
Enquanto inicio a redação desse post os créditos do filme “O Concerto” sobem lentamente na televisão ao meu lado. Confesso que ainda estou tonto pelo “soco emocional” que este filme me aplicou.
Rapidamente a sinopse é a seguinte: Há 30 anos o renomado maestro Andrei Simoniovich Filipov (Alexei Guskov) foi demitido da orquestra de Bolshoi, mas seguiu trabalhando por lá como auxiliar de limpeza. Um dia, ele acaba descobrindo que o Bolshoi foi convidado para tocar no Châtelet Theater, em Paris, e decide reunir seus antigos amigos para tocar no lugar da atual orquestra. Para integrar sua equipe ele pretende que a jovem e exímia solista de violino Anne-Marie Jacquet (Mélanie Laurent) os acompanhe. Se os planos derem certo, este tem tudo para ser um concerto muito especial e um verdadeiro triunfo.
Bom, eu não gosto de críticos de arte e estou longe de me tornar um, então não irei fazer nenhuma crítica técnica boçal ou coisa que o valha. O que quero tentar expressar em algumas palavras são alguns temas sutilmente abstratos sobre a música que este filme provocou em mim (ok, eu vou soltar spoilers a rodo aqui!).
Lembro-me com clareza o insight que a frase “A música é um lembrete de Deus que existe algo além de nós neste universo” foi dito pelo personagem Wizard interpretado por Robin Williams no filme August Rush (em português O som do coração) quando eu distraidamente o assistia em um domingo à noite com minha linda garota e um prato sujo de restos de pizza ao nosso lado. Naquele momento divaguei longe sobre esse elo fantástico, misterioso e sublime que liga todos os seres desse planeta chamado de música. Se Carl Jung foi capaz de idealizar, filosofar e definir o inconsciente coletivo como nós conhecemos – “um arcabouço de arquétipos cujas influências se expandem para além da psique humana” -, seria eu ousado demais em chamar a música inconsciente universal espiritual? Religioso ferrenho? Exotérico demais? Não, não... Longe disso!
No início do concerto final quando o personagem Andrei Filipov tenta organizar as frases musicais emitidas pelos diversos instrumentos que estavam sendo executados de maneira caótica por cada um dos músicos (vale ressaltar que no filme a orquestra não se encontrava há 30 anos e eles não haviam nem sequer ensaiado para o concerto) lembrei-me fortemente da minha primeira banda punk: a BSk. Ãhm? Como assim?! Calma, vamos lá. Lembro-me quando eu era apenas um garoto de 16 anos querendo fazer música sem ter a menor noção de como uma banda funcionava. Sim, nós fazíamos mais zoada que música, mas aquele som simples e cheio de energia, aquele caos adolescente e distorcido estava me ensinando conceitos que levarei até o fim da minha vida: nós estávamos nos afinando passo a passo. Afinando nossos ouvidos, nossas concepções, nosso senso de coletividade, nossa técnica e principalmente exercitando o poder criativo das nossas almas. Qual timbre usar, como encaixar os arranjos das guitarras, a marcação da bateria colada com o baixo... Éramos jovens em afinação.
De repente a cara amarrada de Filipov (que naquele momento previa uma hecatombe musical) começa a dar lugar a uma expressão mais aliviada: a orquestra havia enfim se afinado. Enquanto os músicos tentavam encontrar um caminho sozinhos apenas o caos e desencontros existiram. Entretanto bastou Anne-Marie dar os primeiros arpejos no violino solo e um mega insight coletivo trouxe os músicos para o eixo primordial do concerto. Foi necessária a existência de um farol musical maior, de uma luz, um norte, alguém que “falasse” mais alto, que trouxesse sabedoria àquela orquestra naquele momento. Preciso ainda fazer analogias às nossas vidas?
Outro ponto importante: os músicos considerados geniais no filme ocupam em suas “vidas reais” profissões

Quando a melodia certeira de Thaycovisck é executada de uma maneira ímpar por Anne-Marie e a orquestra enfim torna-se homogênea. Ah! Finalmente a locomotiva é engatada pelos vagões e o trilho é percorrido em sua beleza extrema. Uma perfeita obra de engenharia! Uma nota sequer que seja movida de lugar e tudo iria desabar. Uma perfeição que só a arte é capaz de traduzir. E expressão de embasbacados da platéia, os rostos dos diretores e empresários como quem presencia um milagre, todas as peças das engrenagens das vidas daqueles personagens enfim rodando em consonância. A representatividade de um “gran finale” nas películas inferem na minha mente a certeza que estamos todos buscando a afinação da nossa interioridade (parafraseando Gilberto Gil), mais dias, menos dias, uns com mais dificuldades e outros como solistas virtuoses, os mais inexperientes aprendendo com os mais evoluídos, mas todos sempre em busca da beleza inenarrável da perfeição!