Durante anos a fio toquei minha vida dupla entre aspirante a
músico e analista de sistemas. Essa duplicidade começou no meu primeiro ano de
faculdade até... esqueça! Isso nunca acaba. Enquanto fui passando de disciplina
em disciplina aprendendo como se estruturar um sistema, quais seus pilares,
fundamentos, o que era um banco de dados, uma programação em três camadas,
protocolos, orientação a objeto, sistemas operacionais, também passava tardes
arrumando shows seja pelo DCE da UFBA seja nos barzinhos do Rio Vermelho.
Dividia meu tempo estudando estrutura de arquivos e quebrando a cabeça entre
semínimas e licks de guitarra.
Quando comecei a compor fui me familiarizando com as
estrutura musicais e suas infinitas derivações. Onde encaixar o verso em cima
de uma melodia, quais construções frasais mais me agradavam, como o mesmo
instrumento pode exercer papeis diferentes, as combinações de cordas e peso,
enfim. Com o tempo eu e meus companheiros de banda fomos aprimorando nossa
visão da música dentro da coletividade, aprendemos o que realmente significa
uma intensa e completa harmonia entre os músicos, como a gentileza é
fundamental para a organicidade de um conjunto, equalizações, aprimoramos
nossos ouvidos para detectar os erros mais silenciosos.
Paralelo a todo esse processo eu seguia firme e forte com
minha profissão de analista de sistemas. Dentre as diversas premissas fascinantes
que o mundo da tecnologia traz o que mais me chamava (ou chama) a atenção era a
capacidade de abstração das situações do mundo real para as máquinas. Um
conjunto de instruções que sequenciadas executam uma tarefa. Sendo pragmático e
extremamente generalista é isso que um computador faz. Uma poderosa ferramenta
que possibilita a expansão do alcance dos sentidos primários dos homens.
Aprender a captar a mais fina necessidade de uma pessoa, equipe ou empresa e
colocá-la em termos computacionais para daí projetar, desenvolver e entregar um
sistema com precisão, eficácia e eficiência é quase um trabalho abstrato,
entretanto com todos os componentes concretos possíveis. Ao mesmo tempo em que
o sistema deve dar a solução precisa do problema proposto ele deve ser usual,
performático, elegante, tudo isso na mesma proporção da sua eficácia.
Lidar com todas essas variáveis é como um maestro em frente
a uma orquestra pronto para executar uma peça de sua autoria. Como guiar os primeiros
violinos de modo que eles não se choquem com as flautas? Como dar brilho aos violoncelos
sem concorrer com as trompas? É fácil harmonizar o coral masculino com aquela
passagem diminuta que as violas estão marcando? E numa banda de rock, como
fazer que uma cadência harmônica de samba soe bem com a cozinha “sentando a mão”
na pegada, como colocar aquela distorção doce numa les paul para não esconder
um acorde com sexta, e além de tudo fazer tudo isso soar natural? Como cantar
belos versos em melodias não tão triviais para uma banda de rock e ainda assim não
perder a veia pop e direta que muitas vezes o rock exige?
Comparando as duas ferramentas música e tecnologia são em
sua essência técnica mais primária pura matemática. Ambas permitem a combinação
de infinitos elementos onde do mesmo princípio chega-se em destinos completamente
diferentes a depender de quem as cria. Nenhuma
delas sobrevive sem o talento dos músicos e programadores, compositores a
analistas, técnicos e servidores.
Na minha humilde opinião o que as torna completamente
diferentes é o resultado final. Um sistema pode ser belo, preciso, extremamente
relevante para todos (Google que o diga), performático, eficaz, mas invariavelmente
seu resultado é frio. A música carrega em si a capacidade de tocar as almas, de
fazer dançar, de levar às lágrimas, de alegrar, de mudar uma vida, de dar
amplitude à poesia, de levar a cultura de um povo a outro, de possibilitar a
comunicação entre pessoas de idiomas distintos, de traduzir o intraduzível. Que
novas composições venham, que os maestros dos bits continuem compondo grandes
soluções, que os analistas de semínimas nos emocionem com suas orquestras de zeros
e uns.
"Aprender a captar a mais fina necessidade de uma pessoa, equipe ou empresa e colocá-la em termos computacionais para daí projetar, desenvolver e entregar um sistema com precisão, eficácia e eficiência é quase um trabalho abstrato, entretanto com todos os componentes concretos possíveis..."
ResponderExcluirVéi, isso é arte rapaz! em essencia, não difere de nenhum tipo de criação.
Podemos dizer que a finalidade de lidar com variáveis imprevisíves para obter resultados personalizados, em qualquer profissão, é um trabalho artístico também. Ter uma profissão: Dom, criatividade e técnica. Fazer arte:Dom, criatividade e técnica. Musica: ..., ... e ...
Um dia publicaremos as teses de doutorado que sairão desse blog
Sensacional! Gostei da definição, "vou plagiá-la"! hehe Definiu muito bem mesmo!
ResponderExcluirJogue duro, Cleidson! É importante enxergarmos a beleza do nosso labor diário, explorar nele todo nosso potencial, extrapolar as fronteiras das premissas básicas e por aí vai...
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