ANALFABETISMO CIENTÍFICO –
BREVE REFLEXÃO SOBRE EDUCAÇÃO
1 - INTRODUÇÃO
Enxergar
a vida cotidiana, as atividades humanas e, em instância maior, todas as áreas
do conhecimento com uma postura não-preconceituosa caracteriza o espírito crítico, essencial para o
adequado acesso do indivíduo a qualquer tipo de conhecimento, principalmente se
associado a certa dose de sensibilidade e curiosidade. O espírito crítico
abarca o espírito científico e o espírito filosófico, que consistem no
estado de pré-disposição para o acesso a esses tipos de conhecimento, em
especial.
A
importância de tal ato compreende que lidar com educação, tanto na esfera
administrativa como na pedagógica, exige certo status pessoal associado a este tipo de postura. Por ser um fator
eminentemente pessoal, tal postura, para ser estimulada, necessita de um
ambiente apropriado com uma série de pré-requisitos pedagógicos que abrangem
todo o modus vivendi individual e
coletivo da sociedade.
A
ausência do espírito crítico/científico é o analfabetismo científico.
Espírito
crítico se aprende em escola? Se aprende lendo em livro? Se apreende com os
pais? Esses meios estão longe de serem definitivos para o desenvolvimento do
espírito crítico. Quando as escolas, os pais e as instituições educacionais ensinam
conhecimentos x ou y aos alunos ou filhos estão
transmitindo o conhecimento do espírito crítico? Ou melhor, têm conhecimentos
teóricos e práticos e meios pedagógicos corretos para infundirem nos seus
alunos, ou a maioria deles, tais conhecimentos?
Provavelmente
não. E se a verdadeira educação parte do princípio que o indivíduo possui o
espírito crítico, podemos concluir que grande parte da humanidade está
relativamente alienada em relação ao que a cerca. Não há dificuldade em
constatar as conseqüências dessa situação... os frutos da intolerância e da
ignorância são bastante evidentes nos meios de comunicação e na sociedade como
um todo. A questão está em enxergar nessa situação os elementos que constituem
a sua causa.
Para
tanto, faz-se necessário uma análise breve dos componentes psicossociais do
analfabetismo científico.
2 – COMPONENTES ANALFABETISMO CIENTÍFICO
A
história e a teoria do conhecimento nos mostra que, grosso modo, há cinco meios
de se apreender a realidade (ou seja, de se obter conhecimento): Filosofia,
Ciência, Religião, Arte e Senso comum. Por ser parte essencial da natureza
humana (que raciocina, questiona e abstrai), a filosofia é considerada a
nascente dos outros métodos de conhecimento, que se ocupam mais em responder
questões do que suscitá-las.
Portanto, o termo analfabetismo científico não é
aqui aplicado como referência à ciência enquanto método de conhecimento, e sim
à falta de condições do indivíduo, seja elas quais forem, de apreender o
conhecimento oferecido sem interferências externas que o atrapalhem. Tais
interferências externas sempre estão associadas a conhecimentos pseudo-
científicos e pseudo-filosóficos presentes no senso comum.
Sob nova definição, analfabetismo científico
consiste na incapacidade de se situar perante ao conhecimento da realidade sem
ser afetado pelo núcleo pseudo-cientifico do senso comum. Assim, constata-se que
o analfabetismo científico é formado por basicamente dois componentes:
comportamental e informacional.
A parte comportamental consiste no “faro” do
cidadão comum para reconhecer o verdadeiro conhecimento científico, filosófico,
religioso, artístico e até o núcleo sadio do senso comum (bom senso). Sabe
distinguir o conhecimento verdadeiro, mesmo simplificado, do conhecimento
falso ou distorcido por meios intervenientes. São os meios de comunicação, o
sistema educacional, o senso comum e o conhecimento popular.
A parte
informacional refere-se ao teor de informação científica/filosófica do cidadão
comum. Não consiste em desconhecer o conteúdo de obras e descobertas
científicas, sua relevância, seus autores e seu real impacto nos contextos onde
está envolvida. Está sim relacionada à não apropriação conhecimentos
científicos e filosóficos básicos que devem ser concernentes a qualquer cidadão
médio, como o efeito estufa, as DST, a poluição do ar, a chuva ácida,
crescimento populacional, religiões no mundo, geopolítica, etc.
As
conseqüências dessa ignorância são sutis e quase imperceptíveis, levando muitos
a acreditarem que o conhecimento de tais informações é desnecessário, “não
servindo pra nada”. Ledo engano. Tal ignorância influencia decisivamente no
modo de o indivíduo ver a vida, em todos os seus setores. Influencia em suas
ambições. Influencia em seus projetos profissionais e acadêmicos. Influencia no
seu comportamento em relação à própria saúde. Influencia na formação dos
valores sociais, usados para a avaliação do sistema político, econômico e
ideológico. Influencia na agenda que guia sua vida cotidiana. Influencia em
TUDO.
O
analfabetismo científico e suas relações com a educação podem ser analisadas
sob o ponto de vista macrocósmico (relacionado às instituições educacionais e à
sociedade enquanto grupo de indivíduos) e microcósmico (relacionado ao
indivíduo, sua postura crítica
2 – ABORDAGEM MACROCÓSMICA
A grosso modo, será o currículo básico das
escolas secundárias espalhadas por todo o mundo um elemento contribuinte para
a alfabetização científica? Conhecer rudimentos de matemática, química, física
e biologia são suficientes para eliminar os componentes comportamentais e
informacionais do analfabetismo científico? Resposta: NÃO.
Sob análise
mais profunda, vemos que tal problema também se encaixa na maioria dos cursos
superiores. Alfabetizar cientificamente os alunos seria muito mais útil, agradável,
proveitoso, econômico e viável em todos os aspectos do que manter o sistema de
ensino como o está estabelecido atualmente. Qual dos alunos secundaristas sabe
responder com propriedade porque estudar química é mais importante que estudar,
por exemplo, Eletrônica? Ou Direito? Para esses alunos, entender algo sobre
Eletrônica e Direito seria muito mais útil que estudar química.
E não se trata
apenas de eletrônica ou direito. São apenas exemplos. Trata-se de muitas outras
áreas do conhecimento, da metodologia pedagógica empregada e do sistema
educacional onde as mesmas estão inseridas. Transformar a fatia do senso comum
que sustenta a crença na validade desse sistema deficiente é o primeiro passo
para a realização de mudanças.
A realidade
educacional inconsistente que se constata é responsável por toda uma industria
da educação, com escolas que cobram caro, com professores “filhos” dessa
realidade, com a formação conglomerados educacionais... Sem falar na indústria
de materiais escolares, na construção civil de escolas e universidades, no meio
político que a educação formal sustenta e dá sentido de existir. Meios de
comunicação pregam que a educação, essa
educação, “é a única saída...”
Os inúmeros
tentáculos sociais, econômicos e ideológicos formados por essa realidade
exercem poder de domínio sobre as massas, sem que as mesmas se apercebam disso.
A dinâmica sutil da ação do poder no aspecto educacional não é constatada
apenas por sua influência no senso comum (que por sinal é a mais grave), mas
por sua influência indireta no comportamento da humanidade perante aos desafios
que a vida apresenta.
Portanto, de
certa forma existe uma analogia entre o comportamento humano em relação ao
conhecimento com o comportamento humano em relação aos desafio e problemas
diversos da vida, tanto os problemas mais profundos como os mais cotidianos e
superficiais. Tal analogia se dá tanto nos âmbitos microcósmico (o indivíduo perante ele mesmo), quanto macroscópico (grupos sociais perante outros grupos,
no tempo e no espaço ao longo da história).
A
alfabetização científica empregada de forma sóbria, metódica e racional teria
um efeito revolucionário a médio e longo prazo. Sua aplicação se dá a partir do
momento que se iniciam mudanças que transformem os meios acadêmicos e as instituições
supra-sociais educacionais (família, religião, meio social de convivência, etc)
em ambientes cada vez mais propícios ao desenvolvimento do espírito crítico.
Iniciar tais mudanças pelo meio acadêmico deve ser o passo inicial por ser
infinitamente mais viável e embasado metodologicamente.
Logo, a
alfabetização científica deve se centrar nos âmbitos comportamental e
informacional, e tal visão deve nortear os currículos dos cursos secundários e
superior. Se houvesse ampla compreensão de que os dados do conhecimento
requerem evidência adequada antes de ser aceitos, não haveria espaço para
pseudociência. Este é o espírito científico.
3 – ABORDAGEM MICROCÓSMICA
Em termos
microcósmicos, é perceptível que encarar a vida sem espírito crítico é encarcerar-se
na própria ignorância. Ter espírito crítico não é contestar, entrar em
conflito, se insurgir contra algo. É simplesmente avaliar as informações, sejam
elas pessoais, psicológicas, técnicas ou de qualquer natureza cada vez mais
criteriosamente, em busca de desfechos e conclusões diversas. Estas, por sua
vez, devem levar uma maior gama de opções de conduta em relação a quaisquer
aspecto da vida em que seja aplicada.
Como fazer as
pessoas se interessarem pelo sentido da vida e as leis do universo se para
grande parte delas “isso é coisa de religião, e religião é coisa de gente
ignorante sem visão ‘científica’? Como fazer as pessoas olharem para dentro de
si para se resolverem e serem felizes se “a vida real está lá fora é ela que
bota comida na nossa mesa”? Como afastar os humanos de diversões fúteis e pouco
edificantes se “se sempre há hora para trabalho, para seriedade, há de haver
hora para diversão, para bagunça”?
Ora, os
exemplos são infinitos... estão no dia-a-dia, dentro de nós mesmos. E isso
mostra como a ausência do espírito crítico e o analfabetismo científico nos
atrasa e nos prejudica, prejudicando a sociedade como um todo. Não transcender
esta visão limitada é andar sempre com uma venda nos olhos... e correr todos os
riscos que um “cego” corre.
Ainda acho que desse blog sairão teses de mestrado e/ou doutorado. Sem mais...
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