segunda-feira, 8 de outubro de 2012


ANALFABETISMO CIENTÍFICO – BREVE REFLEXÃO SOBRE EDUCAÇÃO



1 - INTRODUÇÃO

Enxergar a vida cotidiana, as atividades humanas e, em instância maior, todas as áreas do conhecimento com uma postura não-preconceituosa caracteriza o espírito crítico, essencial para o adequado acesso do indivíduo a qualquer tipo de conhecimento, principalmente se associado a certa dose de sensibilidade e curiosidade. O espírito crítico abarca o espírito científico e o espírito filosófico, que consistem no estado de pré-disposição para o acesso a esses tipos de conhecimento, em especial.
A importância de tal ato compreende que lidar com educação, tanto na esfera administrativa como na pedagógica, exige certo status pessoal associado a este tipo de postura. Por ser um fator eminentemente pessoal, tal postura, para ser estimulada, necessita de um ambiente apropriado com uma série de pré-requisitos pedagógicos que abrangem todo o modus vivendi individual e coletivo da sociedade.
A ausência do espírito crítico/científico é o analfabetismo científico.
Espírito crítico se aprende em escola? Se aprende lendo em livro? Se apreende com os pais? Esses meios estão longe de serem definitivos para o desenvolvimento do espírito crítico. Quando as escolas, os pais e as instituições educacionais ensinam conhecimentos x ou y aos alunos ou filhos estão transmitindo o conhecimento do espírito crítico? Ou melhor, têm conhecimentos teóricos e práticos e meios pedagógicos corretos para infundirem nos seus alunos, ou a maioria deles, tais conhecimentos?
Provavelmente não. E se a verdadeira educação parte do princípio que o indivíduo possui o espírito crítico, podemos concluir que grande parte da humanidade está relativamente alienada em relação ao que a cerca. Não há dificuldade em constatar as conseqüências dessa situação... os frutos da intolerância e da ignorância são bastante evidentes nos meios de comunicação e na sociedade como um todo. A questão está em enxergar nessa situação os elementos que constituem a sua causa.
Para tanto, faz-se necessário uma análise breve dos componentes psicossociais do analfabetismo científico.



2 – COMPONENTES ANALFABETISMO CIENTÍFICO

      A história e a teoria do conhecimento nos mostra que, grosso modo, há cinco meios de se apreender a realidade (ou seja, de se obter conhecimento): Filosofia, Ciência, Religião, Arte e Senso comum. Por ser parte essencial da natureza humana (que raciocina, questiona e abstrai), a filosofia é considerada a nascente dos outros métodos de conhecimento, que se ocupam mais em responder questões do que suscitá-las.
Portanto, o termo analfabetismo científico não é aqui aplicado como referência à ciência enquanto método de conhecimento, e sim à falta de condições do indivíduo, seja elas quais forem, de apreender o conhecimento oferecido sem interferências externas que o atrapalhem. Tais interferências externas sempre estão associadas a conhecimentos pseudo- científicos e pseudo-filosóficos presentes no senso comum.
Sob nova definição, analfabetismo científico consiste na incapacidade de se situar perante ao conhecimento da realidade sem ser afetado pelo núcleo pseudo-cientifico do senso comum. Assim, constata-se que o analfabetismo científico é formado por basicamente dois componentes: comportamental e informacional.
A parte comportamental consiste no “faro” do cidadão comum para reconhecer o verdadeiro conhecimento científico, filosófico, religioso, artístico e até o núcleo sadio do senso comum (bom senso). Sabe distinguir o conhecimento verdadeiro, mesmo simplificado, do conhecimento falso ou distorcido por meios intervenientes. São os meios de comunicação, o sistema educacional, o senso comum e o conhecimento popular.
A parte informacional refere-se ao teor de informação científica/filosófica do cidadão comum. Não consiste em desconhecer o conteúdo de obras e descobertas científicas, sua relevância, seus autores e seu real impacto nos contextos onde está envolvida. Está sim relacionada à não apropriação conhecimentos científicos e filosóficos básicos que devem ser concernentes a qualquer cidadão médio, como o efeito estufa, as DST, a poluição do ar, a chuva ácida, crescimento populacional, religiões no mundo, geopolítica, etc.
As conseqüências dessa ignorância são sutis e quase imperceptíveis, levando muitos a acreditarem que o conhecimento de tais informações é desnecessário, “não servindo pra nada”. Ledo engano. Tal ignorância influencia decisivamente no modo de o indivíduo ver a vida, em todos os seus setores. Influencia em suas ambições. Influencia em seus projetos profissionais e acadêmicos. Influencia no seu comportamento em relação à própria saúde. Influencia na formação dos valores sociais, usados para a avaliação do sistema político, econômico e ideológico. Influencia na agenda que guia sua vida cotidiana. Influencia em TUDO.
O analfabetismo científico e suas relações com a educação podem ser analisadas sob o ponto de vista macrocósmico (relacionado às instituições educacionais e à sociedade enquanto grupo de indivíduos) e microcósmico (relacionado ao indivíduo, sua postura crítica



2 – ABORDAGEM MACROCÓSMICA

 A grosso modo, será o currículo básico das escolas secundárias espalhadas por todo o mundo um elemento contribuinte para a alfabetização científica? Conhecer rudimentos de matemática, química, física e biologia são suficientes para eliminar os componentes comportamentais e informacionais do analfabetismo científico? Resposta: NÃO.
Sob análise mais profunda, vemos que tal problema também se encaixa na maioria dos cursos superiores. Alfabetizar cientificamente os alunos seria muito mais útil, agradável, proveitoso, econômico e viável em todos os aspectos do que manter o sistema de ensino como o está estabelecido atualmente. Qual dos alunos secundaristas sabe responder com propriedade porque estudar química é mais importante que estudar, por exemplo, Eletrônica? Ou Direito? Para esses alunos, entender algo sobre Eletrônica e Direito seria muito mais útil que estudar química.
E não se trata apenas de eletrônica ou direito. São apenas exemplos. Trata-se de muitas outras áreas do conhecimento, da metodologia pedagógica empregada e do sistema educacional onde as mesmas estão inseridas. Transformar a fatia do senso comum que sustenta a crença na validade desse sistema deficiente é o primeiro passo para a realização de mudanças.
A realidade educacional inconsistente que se constata é responsável por toda uma industria da educação, com escolas que cobram caro, com professores “filhos” dessa realidade, com a formação conglomerados educacionais... Sem falar na indústria de materiais escolares, na construção civil de escolas e universidades, no meio político que a educação formal sustenta e dá sentido de existir. Meios de comunicação pregam que a educação, essa educação, “é a única saída...”
Os inúmeros tentáculos sociais, econômicos e ideológicos formados por essa realidade exercem poder de domínio sobre as massas, sem que as mesmas se apercebam disso. A dinâmica sutil da ação do poder no aspecto educacional não é constatada apenas por sua influência no senso comum (que por sinal é a mais grave), mas por sua influência indireta no comportamento da humanidade perante aos desafios que a vida apresenta.
Portanto, de certa forma existe uma analogia entre o comportamento humano em relação ao conhecimento com o comportamento humano em relação aos desafio e problemas diversos da vida, tanto os problemas mais profundos como os mais cotidianos e superficiais. Tal analogia se dá tanto nos âmbitos microcósmico (o indivíduo perante ele mesmo), quanto macroscópico (grupos sociais perante outros grupos, no tempo e no espaço ao longo da história).
A alfabetização científica empregada de forma sóbria, metódica e racional teria um efeito revolucionário a médio e longo prazo. Sua aplicação se dá a partir do momento que se iniciam mudanças que transformem os meios acadêmicos e as instituições supra-sociais educacionais (família, religião, meio social de convivência, etc) em ambientes cada vez mais propícios ao desenvolvimento do espírito crítico. Iniciar tais mudanças pelo meio acadêmico deve ser o passo inicial por ser infinitamente mais viável e embasado metodologicamente.
Logo, a alfabetização científica deve se centrar nos âmbitos comportamental e informacional, e tal visão deve nortear os currículos dos cursos secundários e superior. Se houvesse ampla compreensão de que os dados do conhecimento requerem evidência adequada antes de ser aceitos, não haveria espaço para pseudociência. Este é o espírito científico.



3 – ABORDAGEM MICROCÓSMICA

Em termos microcósmicos, é perceptível que encarar a vida sem espírito crítico é encarcerar-se na própria ignorância. Ter espírito crítico não é contestar, entrar em conflito, se insurgir contra algo. É simplesmente avaliar as informações, sejam elas pessoais, psicológicas, técnicas ou de qualquer natureza cada vez mais criteriosamente, em busca de desfechos e conclusões diversas. Estas, por sua vez, devem levar uma maior gama de opções de conduta em relação a quaisquer aspecto da vida em que seja aplicada.
Como fazer as pessoas se interessarem pelo sentido da vida e as leis do universo se para grande parte delas “isso é coisa de religião, e religião é coisa de gente ignorante sem visão ‘científica’? Como fazer as pessoas olharem para dentro de si para se resolverem e serem felizes se “a vida real está lá fora é ela que bota comida na nossa mesa”? Como afastar os humanos de diversões fúteis e pouco edificantes se “se sempre há hora para trabalho, para seriedade, há de haver hora para diversão, para bagunça”?
Ora, os exemplos são infinitos... estão no dia-a-dia, dentro de nós mesmos. E isso mostra como a ausência do espírito crítico e o analfabetismo científico nos atrasa e nos prejudica, prejudicando a sociedade como um todo. Não transcender esta visão limitada é andar sempre com uma venda nos olhos... e correr todos os riscos que um “cego” corre.

Um comentário:

  1. Ainda acho que desse blog sairão teses de mestrado e/ou doutorado. Sem mais...

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