Não é tarefa
fácil quando o assunto é administração de grana. Posso dizer, pois trabalho e
vejo isso todos os dias. E sempre é o mesmo cenário. É recorrente encontrar
situações em que pessoas têm dificuldades financeiras por não possuir
habilidades suficientes. O centro de toda a problemática está a falta de
autocontrole, ou seja, mesmo consciente da necessidade de poupar, as pessoas
simplesmente não conseguem por conta da inércia, procrastinação ou até mesmo
pela falta de força de vontade.
Contudo,
esse tema é bem mais profundo do que buscar o autocontrole nas finanças ou ter
habilidades em planilhas, relatórios financeiros e cálculos numéricos. Há 5
anos na minha formação em economia esse tema me chamou bastante atenção e
desenvolvi todo o trabalho de conclusão de curso nessa linha.
Durante os
estudos encontrei os temas Psicologia Econômica (PE) e Finanças Comportamentais
(FC) onde os aspectos psicológicos são analisados e podem explicar a
dificuldade que temos em lidar com o dinheiro. A PE e, especialmente, as FC
revela que os princípios das finanças tradicionais têm sérias falhas.
Toda a
origem das Finanças tradicionais está ligada aos trabalhos de Gerald M. Loeb,
Benjamin Graham, Edwards Dewing, entre outros. De acordo com a análise
financeira tradicional o mercado (soma dos investidores que compram e vedem um
determinado ativo) está, em certas situações, em desequilíbrio e por isso
deve-se buscar a formação de carteiras com o objetivo de adquirir um retorno
maior que a média do mercado.
Nos anos 50
Markowitz estabeleceu novas bases para as finanças, que passou a se chamar
Finanças Modernas. E a partir de então as Finanças Modernas passaram a
considerar a racionalidade dos tomadores de decisão e a imprevisibilidade do
mercado. Nessa perspectiva surgiram diversos modelos no intuito de fortalecer
essa nova teoria, como o Teorema da Irrelevância, o CAPM e a Teoria do
Portfólio. Além disso, as Finanças Modernas tomava como base o conceito da
Teoria da Utilidade Esperada (TUE), que foi fortalecida com trabalho de Von
Neumann e Morgenstern, no qual mostraram a ideia de homem econômico racional
através da Teoria dos Jogos. DE maneira geral a TUE diz que em situações
de incertezas os indivíduos buscam processar as informações disponíveis com o
intuito de maximizar seus objetivos.
Porém, a ideia de racionalidade dos agentes financeiros nas tomadas de decisões, proposto pelas Finanças Modernas, passou a ser contestada, a partir dos anos 70 com surgimento da Psicologia Cognitiva que apresentou estudos violando o conceito da racionalidade, dando origem as Finanças Comportamentais. Os estudos relacionados às Finanças Comportamentais foram incorporados ao contexto de finanças em decorrência das anomalias irracionais produzidas pelas crises financeiras que não conseguiram ser explicadas pelo modelo Moderno de Finanças.
Os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky procuram entender como se processa as decisões na mente humana, demonstraram que as decisões dos investidores passam por processo heurístico, ou seja, são criados modelos para tomar decisões complexas em um ambiente de risco e incerteza. Os indivíduos não processam de forma objetiva todas as informações para se chegar a uma decisão racional, ao invés disto, utilizam atalhos mentais ocasionando em importantes vieses de decisões.
Em 1979 foi
publicado por Kahneman e Tversky o artigo Judment under uncertainty:
heuristics and biases (artigo parâmetro para o meu TCC) na revista Econometrica,
em que criticavam a TUE, no qual desenvolveram um novo modelo chamado Teoria do
Prospecto (Prospect Theory). Eles apresentaram um teste, ilustrado
abaixo, que consiste na escolha entre ganhos e perdas. Comprovando que muitas
das decisões sob incerteza divergem das predições da TUE.
Suponha que
você possa escolher entre dois jogos:
Jogo 1: você tem
chance de 20% de ganhar R$ 10,00 e de 80% de não ganhar nada.
Jogo 2: você tem
chance de 10% de ganhar R$ 50,00 e de 90% de não ganhar nada.
Qual jogo
você gostaria de jogar?
De acordo
com a TUE o jogo 2 seria a decisão mais correta, pois a probabilidade de ganho,
em relação ao jogo 1, é maior (10% x 50 + 90% x 0 = 5). E geralmente as pessoas
tendem a chegar a esse resultado. Mas nem sempre é assim. Tome como exemplo
seguinte proposta:
Jogo 3: você tem 1%
de chance de ganhar R$ 1.000 e 90% de chance de não ganhar nada.
Jogo 4: você tem
100% de chance de ganhar R$ 5.
Foi
constatado por Kehneman e Tversky que mais de 50% das pessoas preferem, nessa
segunda fase do teste, o jogo 4. No entanto, considerando a TUE, não é a
escolha mais correta, pois a probabilidade de ganho (100% x 5 = 5) é menor que
a do jogo 3 (1% x 1.000 + 99% x 0 = 10).
Com a
aplicação dos testes os autores chegaram a padrões de comportamento dos
indivíduos que são inconsistentes com os princípios da TUE. Para a teoria do
prospecto esse comportamento pode ser explicado também pelo Efeito Reflexo (as
pessoas tem maior aversão ao risco no campo dos ganhos) e o Efeito Isolamento
(quando a mesma escolha é apresentada de forma diferente as pessoas tendem a
tomar decisões inconsistentes).
Segundo a
teoria os investidores não agem de maneira totalmente racional no momento da
tomada de decisão e são avessos aos riscos para os ganhos e propensos ao risco
nas perdas. Essas ilusões cognitivas podem ser comparadas às ilusões de ótica.
Mesmo quando se sabe que está diante de uma ilusão cognitiva é difícil evita-la
e agir de maneira racional.
A Teoria do Prospecto demonstrou que os humanos
procuram simplificar o processo de decisão e, na tentativa de tornar a tarefa
mais simples e mais rápida, fazem uso de “atalhos mentais” ou regras
heurísticas para tomar decisões.
Sem dúvida a Teoria do Prospecto ajudou na descrição do comportamento individual dos tomadores de decisão em situação de risco. E em parte revelou o nosso relacionamento com o dinheiro. Portanto, da próxima vez que ficar sem grana no final do mês não pensem que é incapaz financeiramente e também não se preocupe tanto, pois as vezes precisamos ser humanos.