segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Fim de Milênio, Início de Milênio


Terminei de ler há pouco tempo o livro CASTELLS, Manuel. Fim de milênio.  In: A era da informação: economia, sociedade e cultura para um trabalho da minha pós-graduação e achei muito bacana compartilhar algumas opiniões com vocês. O autor é um sociólogo espanhol que escreveu uma trilogia comparada à obra de Karl Marx pelos estudiosos e acadêmicos. O livro foi escrito em 1999 e o autor defende que um novo mundo está tomando formas no final do milênio originado por três processos independentes: a revolução da tecnologia da informação, a crise econômica do capitalismo e do estatismo e a consequente reestruturação de ambos.

O processo de globalização da economia mundial causado pelas empresas internacionais começa a por em cheque a soberania do Estado, e os países do sistema capitalista mundial passam a funcionar sem os instrumentos de regulação e controle pertinentes às nações independentes. Desse modo as economias das nações estão potencialmente entrelaçando-se e aumentando a sua interdependência, uma vez que essas empresas multinacionais possuem poder político e financeiro que chega a ultrapassar o de muitos Estados e nações.

A construção da tese do autor é apresentada na obra através dos cinco principais panoramas: a crise do estatismo industrial e o colapso da União Soviética; o surgimento do quarto mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social; a conexão perversa: a economia do crime global; desenvolvimento e crise do pacífico asiático; a unificação da Europa: a globalização, identidade e o Estado em rede.

É indubitável que nos últimos 30 anos nós vivenciamos mudanças extremamente impactantes no planeta. O capitalismo viu suas entranhas iniciarem um processo de reestruturação de suas premissas mais elementares.  A economia global passou a um patamar de interdependência entre os povos, intercambiando suas culturas na busca de um equilíbrio na rede de Estados. A obra de Castells pode ser considerada uma dessas obras marcantes para toda a humanidade (conforme comentado por Peter Hall na contracapa do livro, quando o mesmo compara a trilogia de Castells com O Capital de Karl Marx), uma vez que traça com grande arcabouço de argumentos um panorama preciso sobre as faces de cada bloco econômico, desde a pobreza extrema africana, passando pelos Estados Unidos, pacífico asiático, até finalmente a União Europeia. Tendo em mente que esse livro foi escrito em 1999 acho pertinente analisar o que se sucedeu até o ano de 2012: vivenciamos o maior atentado terrorista da história no 11 de setembro de 2001 e todos os impactos que esse ato proporcionou no mundo; acompanhamos a maior crise econômica desde 1929 quando em 2008 os bancos americanos viram suas hipotecas imobiliárias derreterem pela insolvência e a propagação em todos os mercados mundiais; vimos a internet expandir-se e popularizar-se em todo o globo pulverizando informação para todo e qualquer meio; acompanhamos o nascimento e expansão do Google e Facebook, fenômenos que mudaram definitivamente a forma de relacionamento humano com o conhecimento e entre os grupos sociais; presenciamos as criações geniais de Steve Jobs como o iTunes (e a sua loja de músicas que revolucionou a indústria das gravadoras), iPhone, iPod e iPad (dentre outros) que permitiram a conectividade de troca de informações de maneira móvel e permanente (nunca se ouviu tanta música no mundo); vimos o Brasil tornar-se a sexta maior economia do mundo e converter um país com complexo de vira-lata em credor do FMI; e neste ponto começamos a vislumbrar algumas projeções traçadas por Castells: vimos como o mundo colaborativo consegue ter uma força nunca antes vista nesse planeta: você é o que você compartilha. Trabalhar em rede, aprender em rede, viver em rede, inovar em rede. Conceitos como web-cidadania começam a nascer, estatísticas de que um computador é vendido a cada três segundos começam a nos desafiar intelectualmente e refletir quanto aos impactos e mudanças da nossa história, a concorrência voraz do capitalismo industrial começa a perder espaço para o compartilhamento colaborativo do capitalismo da informação, iniciativas como o TED sem fins lucrativos que nasceram com o simples objetivo de compartilhar ideias, as divulgações indiscretas de conteúdos sensíveis do WikiLeaks de governos e empresas trazem um pouco de accountability global, redes sociais de diversas categorias como reflexo da união de pessoas e compartilhamento de ideias, projetos, soluções, em prol de algum objetivo comum, dentre tantos outros exemplos que trazem ao nosso alcance a capacidade de criar, mudar, viver e inovar em escala global. Como nem tudo são flores ainda vemos mais de um bilhão de pessoas passarem fome, ainda percebemos a pouca inserção de países africanos na internet (por dados citados pelo próprio Castells no capítulo 2), guerras civis e militares continuam a eclodir em pontos históricos de conflito, a Europa que luta incessantemente contra a crise econômica que se arrasta por três anos, dentre tantos outros problemas de diversas origens que nos mostram que o excesso de desenvolvimento tecnológico ainda está em grande defasagem em relação ao subdesenvolvimento social.

Dentre os dilemas do novo panorama global sobre a evolução e remodelagem das economias acredito que uma das principais seja a relação capital x bem estar. Diversos autores tem levantado pontos importantes sobre como a tecnologia tem sido ferramenta importante no alinhamento do desenvolvimento econômico com os seus reflexos no âmbito social. Posso citar, por exemplo, o brasileiro Gil Giardelli que no seu livro “Você é o que você compartilha” afirma que a era da informação já acabou e que vivemos o tempo da participação. Autores como o próprio Freud (em “O Mal-estar na Civilização”) e Z. Bauman (em “O mal-estar da pós-modernidade”) trataram de temas como o dilema da relação do indivíduo com seus anseios mais íntimos e a dura realidade de viver em sociedades modernas. Segue abaixo uma citação de Bauman em “O mal-estar da pós-modernidade”:

“O que torna ainda mais vaga a perspectiva de uma cura completa é o fato de que os indivíduos, dilacerados entre a liberdade inebriante e a incerteza aterrorizadora, almejam o impossível. Eles querem nada menos que desfrutar de duas vantagens – saborear e exercer sua liberdade de escolha ao mesmo tempo em que têm o ‘final feliz’ garantido e os resultados assegurados”.

Acredito que o mundo irá conseguir encaixar essas engrenagens dentro de toda essa aparente bagunça que esse processo de mudança global tem causado. Novas iniciativas, novos modelos de negócios moralmente menos agressivos e não menos lucrativos, a força de trabalho em escala global provida pelo desenvolvimento tecnológico, a percepção que algo muito maior pode ser construído pelas multidões em detrimento de poderes fortemente centralizados, são conceitos que nos trazem uma perspectiva muito positiva para esse início de novo milênio. Como o próprio Castells descreve na conclusão do livro, “Se tudo isso for possibilitado por nossa decisão bem informada, consciente e compartilhada enquanto ainda há tempo, então, talvez, finalmente possamos ser capazes de viver, amar e ser amados.”.




Abaixo transcrevi a conclusão do livro que achei simplesmente genial.

A promessa da Era da Informação representa o desencadeamento de uma capacidade produtiva jamais vista, mediante o poder da mente. Penso, logo produzo. Com isso, teremos tempo disponível para fazer experiência com a espiritualidade e oportunidade de harmonização com a natureza sem sacrificar o bem-estar material de nossos filhos. O sonho do Iluminismo está ao nosso alcance. Todavia, há enorme defasagem entre nosso excesso de desenvolvimento tecnológico e subdesenvolvimento social. nossa economia, sociedade e cultura são construídas com base em interesses, valores, instituições e sistemas de representação que, em termos gerais, limita, a criatividade coletiva, confiscam a colheita da tecnologia da informação e desviam nossa energia para o confronto autodestrutivo. Esta situação não é definitiva. Não há mal eterno na natureza humana. Não existe nada que não possa ser mudado por ação social consciente e internacional, munida de informação e apoiada em legitimidade. Se as pessoas forem esclarecidas, atuantes e se comunicarem em todo o mundo; se as empresas assumirem sua responsabilidade social; se os meios de comunicação se tornarem os mensageiros, e não a mensagem,; se os atores políticos reagirem contra a descrença e restaurarem a fé na democracia; se a cultura for reconstruída a partir da experiência; se a humanidade sentir a  solidariedade da espécie em todo o globo; se consolidarmos a solidariedade Intergeracional, vivendo em harmonia com a natureza com a natureza; se partirmos para a exploração de nosso ser interior, tendo feito as pazes com nós mesmos. Se tudo isso for possibilitado por nossa decisão bem informada, consciente e compartilhada enquanto ainda há tempo, então, talvez, finalmente possamos ser capazes de viver, amar e ser amados.

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