Terminei de ler há pouco tempo o
livro CASTELLS, Manuel. Fim de milênio. In: A era da informação: economia, sociedade
e cultura para um trabalho da minha pós-graduação e achei muito bacana
compartilhar algumas opiniões com vocês. O autor é um sociólogo espanhol que escreveu uma trilogia comparada à obra de Karl Marx pelos estudiosos e acadêmicos. O livro foi escrito em 1999 e o autor
defende que um novo mundo está tomando formas no final do milênio originado por
três processos independentes: a revolução da tecnologia da informação, a crise
econômica do capitalismo e do estatismo e a consequente reestruturação de ambos.
O processo de globalização da
economia mundial causado pelas empresas internacionais começa a por em cheque a
soberania do Estado, e os países do sistema capitalista mundial passam a
funcionar sem os instrumentos de regulação e controle pertinentes às nações
independentes. Desse modo as economias das nações estão potencialmente
entrelaçando-se e aumentando a sua interdependência, uma vez que essas empresas
multinacionais possuem poder político e financeiro que chega a ultrapassar o de
muitos Estados e nações.
A construção da tese do autor é
apresentada na obra através dos cinco principais panoramas: a crise do
estatismo industrial e o colapso da União Soviética; o surgimento do quarto
mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social; a conexão
perversa: a economia do crime global; desenvolvimento e crise do pacífico
asiático; a unificação da Europa: a globalização, identidade e o Estado em
rede.
É indubitável que nos últimos 30
anos nós vivenciamos mudanças extremamente impactantes no planeta. O
capitalismo viu suas entranhas iniciarem um processo de reestruturação de suas
premissas mais elementares. A economia global passou a um patamar de
interdependência entre os povos, intercambiando suas culturas na busca de um
equilíbrio na rede de Estados. A obra de Castells pode ser considerada uma
dessas obras marcantes para toda a humanidade (conforme comentado por Peter
Hall na contracapa do livro, quando o mesmo compara a trilogia de Castells com
O Capital de Karl Marx), uma vez que traça com grande arcabouço de argumentos
um panorama preciso sobre as faces de cada bloco econômico, desde a pobreza
extrema africana, passando pelos Estados Unidos, pacífico asiático, até
finalmente a União Europeia. Tendo em mente que esse livro foi escrito em 1999
acho pertinente analisar o que se sucedeu até o ano de 2012: vivenciamos o
maior atentado terrorista da história no 11 de setembro de 2001 e todos os
impactos que esse ato proporcionou no mundo; acompanhamos a maior crise
econômica desde 1929 quando em 2008 os bancos americanos viram suas hipotecas
imobiliárias derreterem pela insolvência e a propagação em todos os mercados
mundiais; vimos a internet expandir-se e popularizar-se em todo o globo
pulverizando informação para todo e qualquer meio; acompanhamos o nascimento e
expansão do Google e Facebook, fenômenos que mudaram definitivamente a forma de
relacionamento humano com o conhecimento e entre os grupos sociais;
presenciamos as criações geniais de Steve Jobs como o iTunes (e a sua loja de
músicas que revolucionou a indústria das gravadoras), iPhone, iPod e iPad
(dentre outros) que permitiram a conectividade de troca de informações de
maneira móvel e permanente (nunca se ouviu tanta música no mundo); vimos o
Brasil tornar-se a sexta maior economia do mundo e converter um país com
complexo de vira-lata em credor do FMI; e neste ponto começamos a vislumbrar
algumas projeções traçadas por Castells: vimos como o mundo colaborativo
consegue ter uma força nunca antes vista nesse planeta: você é o que você
compartilha. Trabalhar em rede, aprender em rede, viver em rede, inovar em
rede. Conceitos como web-cidadania começam a nascer, estatísticas de que um
computador é vendido a cada três segundos começam a nos desafiar
intelectualmente e refletir quanto aos impactos e mudanças da nossa história, a
concorrência voraz do capitalismo industrial começa a perder espaço para o
compartilhamento colaborativo do capitalismo da informação, iniciativas como o
TED sem fins lucrativos que nasceram com o simples objetivo de compartilhar
ideias, as divulgações indiscretas de conteúdos sensíveis do WikiLeaks de
governos e empresas trazem um pouco de accountability
global, redes sociais de diversas categorias como reflexo da união de pessoas e
compartilhamento de ideias, projetos, soluções, em prol de algum objetivo
comum, dentre tantos outros exemplos que trazem ao nosso alcance a capacidade
de criar, mudar, viver e inovar em escala global. Como nem tudo são flores
ainda vemos mais de um bilhão de pessoas passarem fome, ainda percebemos a
pouca inserção de países africanos na internet (por dados citados pelo próprio
Castells no capítulo 2), guerras civis e militares continuam a eclodir em
pontos históricos de conflito, a Europa que luta incessantemente contra a crise
econômica que se arrasta por três anos, dentre tantos outros problemas de
diversas origens que nos mostram que o excesso de desenvolvimento tecnológico
ainda está em grande defasagem em relação ao subdesenvolvimento social.
Dentre os dilemas do novo
panorama global sobre a evolução e remodelagem das economias acredito que uma
das principais seja a relação capital x bem estar. Diversos autores tem
levantado pontos importantes sobre como a tecnologia tem sido ferramenta
importante no alinhamento do desenvolvimento econômico com os seus reflexos no
âmbito social. Posso citar, por exemplo, o brasileiro Gil Giardelli que no seu
livro “Você é o que você compartilha” afirma que a era da informação já acabou
e que vivemos o tempo da participação. Autores como o próprio Freud (em “O
Mal-estar na Civilização”) e Z. Bauman (em “O mal-estar da pós-modernidade”)
trataram de temas como o dilema da relação do indivíduo com seus anseios mais
íntimos e a dura realidade de viver em sociedades modernas. Segue abaixo uma
citação de Bauman em “O mal-estar da pós-modernidade”:
“O que torna ainda mais vaga a
perspectiva de uma cura completa é o fato de que os indivíduos, dilacerados
entre a liberdade inebriante e a incerteza aterrorizadora, almejam o
impossível. Eles querem nada menos que desfrutar de duas vantagens – saborear e
exercer sua liberdade de escolha ao mesmo tempo em que têm o ‘final feliz’
garantido e os resultados assegurados”.
Acredito que o mundo irá conseguir encaixar essas
engrenagens dentro de toda essa aparente bagunça que esse processo de mudança
global tem causado. Novas iniciativas, novos modelos de negócios moralmente
menos agressivos e não menos lucrativos, a força de trabalho em escala global
provida pelo desenvolvimento tecnológico, a percepção que algo muito maior pode
ser construído pelas multidões em detrimento de poderes fortemente
centralizados, são conceitos que nos trazem uma perspectiva muito positiva para
esse início de novo milênio. Como o próprio Castells descreve na conclusão do
livro, “Se tudo isso for possibilitado por nossa decisão bem informada,
consciente e compartilhada enquanto ainda há tempo, então, talvez, finalmente
possamos ser capazes de viver, amar e ser amados.”.
Abaixo transcrevi a conclusão do livro que achei simplesmente
genial.
“A promessa da Era da Informação representa o
desencadeamento de uma capacidade produtiva jamais vista, mediante o poder da
mente. Penso, logo produzo. Com isso, teremos tempo disponível para fazer
experiência com a espiritualidade e oportunidade de harmonização com a natureza
sem sacrificar o bem-estar material de nossos filhos. O sonho do Iluminismo
está ao nosso alcance. Todavia, há enorme defasagem entre nosso excesso de
desenvolvimento tecnológico e subdesenvolvimento social. nossa economia,
sociedade e cultura são construídas com base em interesses, valores,
instituições e sistemas de representação que, em termos gerais, limita, a
criatividade coletiva, confiscam a colheita da tecnologia da informação e
desviam nossa energia para o confronto autodestrutivo. Esta situação não é
definitiva. Não há mal eterno na natureza humana. Não existe nada que não possa
ser mudado por ação social consciente e internacional, munida de informação e
apoiada em legitimidade. Se as pessoas forem esclarecidas, atuantes e se comunicarem
em todo o mundo; se as empresas assumirem sua responsabilidade social; se os
meios de comunicação se tornarem os mensageiros, e não a mensagem,; se os
atores políticos reagirem contra a descrença e restaurarem a fé na democracia;
se a cultura for reconstruída a partir da experiência; se a humanidade sentir
a solidariedade da espécie em todo o
globo; se consolidarmos a solidariedade Intergeracional, vivendo em harmonia
com a natureza com a natureza; se partirmos para a exploração de nosso ser interior,
tendo feito as pazes com nós mesmos. Se tudo isso for possibilitado por nossa
decisão bem informada, consciente e compartilhada enquanto ainda há tempo,
então, talvez, finalmente possamos ser capazes de viver, amar e ser amados.”
Sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Castells
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