Há um herói em cada um de nós, pois a vida é feita de lutas e desafios. Maiores ou menores. Mais ou menos dolorosos. Mais ou menos prazeirosos. Mas sempre há uma grande jornada. Pretendo com este texto homenagear minha alma gêmea e mostrar como creio o destino recompensar o trabalho e a persistência.
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Era uma vez um garoto.
Garoto moreno, cabelos negros, soltos ao vento. Pré-adolescente, olhar lânguido
e sonhador. Sonhava e olhava. Pensava. Via. Vivia. Via e vivia demais.
Vivia sozinho.
Não era sozinho. Mas queria ser só. Seu olhar se voltava para as coisas do
mundo, e boa parte do mundo que via pertencia somente a si. Aquele era seu
mundo.
Sua ilha. Seu
tesouro. Sua fantasia.
Era seu mundo.
Alegre, feliz, brincalhão e inteligente. Sempre a brincar em suas calças azuis
e suas camisas brancas.
Mas havia algo
errado.
Parte do garoto
era só. E o garoto não queria ser só. Queria o mundo. Queria uma companhia.
Sonhava e ansiava por ela. Olhava e sonhava. Sonhava demais. Queria demais.
Queria conhecer
os pais. Queria mais do que conhecia.
Queria conhecer o mundo, mais do que
conhecia. Queria sentir os destinos. Mais
do que lhe era dado. Queria amar, compartilhar, construir. Queria um amor. Um amor conjugal. Uma alma gêmea.
Ardia num grande querer. Ardia uma grande vontade.
Ardia num grande querer. Ardia uma grande vontade.
Queria muito uma
alma gêmea. Sua ausência era um espinho. Nos pés, nos olhos, no coração. Doía e
vivia. Sabia que seria chegado seu destino.
O garoto morava
em uma grande casa. Sua mansão era situada em um grande terreno, onde cresciam
goiabeiras, amendoeiras, coqueiros e mangueiras. Seus pais, amorosos e
carinhosos, o provia de todos os cuidados materiais e afetivos. Eram o mundo do
garoto em parte com a família.
Mas parte dele
era só. Era seu mundo. E ele queria
compartilhar com sua alma gêmea. Mas a limitação da idade e da realidade real
não a deixava se aproximar. Sabia que ela a esperava, em algum lugar, de algum
modo, em algum caminho, num tempo qualquer.
Premido por sua
solidão, amparado pelo universo fantástico de sua vida pré-adolescente urbana,
o garoto imaginava. O garoto tinha lampejos. Pensava no universo, nas estrelas
no mundo. Imaginava ser um herói. Um grande caçador. Tinha um arco azul. Uma
flecha branca. Subia no telhado da casa por uma das goiabeiras, e, na parte
mais alta do topo da casa, flechava um pássaro azul que por ali sobrevoava.
O pássaro era
real. Mas só ali passava quando o garoto subia. O garoto não sabia, mas só ele
o via. O pássaro só por ele era visto. Era visível, no mundo existia. Em seu
mundo. Existia.
Passaram os
anos.
Um belo dia, o pássaro
se aproximou mais que de costume. O garoto não conseguiu atingi-lo. E após múltiplas
tentativas, tomado de súbito cansaço, adormeceu.
Veio o seu
sonho.
Sonhou que estava
no mesmo telhado da sua casa. O pássaro azul, não tendo sido flechado após múltiplas
tentativas, o tomou nos braços e o levou, através das nuvens e visões de rios e
planícies, a uma grande e sinistra floresta, numa planície no alto da montanha.
Abandonado na
orla, o garoto entrou em desespero, clamando pelo pássaro.
Sem obter
resposta, desatou a caminhar. Caminhou por sete dias e sete noites,
sobrevivendo da água dos riachos e dos pequenos frutos encontrados nos arbustos.
A floresta lhe era familiar, mas não conseguia fazer ideia de onde a conhecia.
Após caminhar
perdido, sem encontrar trilha, saída ou sentido, lembrou-se do seu amor. O amor
que queria tanto compartilhar. Pediu ao amor força. E a força veio, continuando
a andar.
Não sabia que
tinha chegado ao coração da floresta.
Na clareira,
avistou um lindo lago, de águas calmas, mas negras e profundas. No meio do lago
havia uma pequena ilha, e no meio desta uma bela fonte de mármore branco.
Encantado, tomado
de fascínio pela beleza inusitada naquela floresta sombria, esqueceu que não
sabia nadar e mergulhou na água. Lutou, se debateu, e insistiu. Queria chegar à
ilha. Foi então que percebeu, após instantes de desespero, que a profundidade
se ajustara lentamente à altura do eu pescoço.
Ao chegar ao seu
destino, contemplou a fonte. Nas águas límpidas e cristalinas formou-se
lentamente a imagem de uma linda garota. Olhos negros, cabelos castanhos, pele
lisa. A garota dos seus sonhos! A alma
gêmea!
Emocionado,
fixou-a nos olhos. Ela sorriu. Seguiu-se instantes de contemplação mútua, de reconhecimento, de admiração. e então a garota começou a falar.
A menina disse-lhe que um pássaro mágico, “de cor azul”, a aprisionou na fonte, e que ela só seria libertada caso o primeiro viajante que a achasse encontrasse as penas mágicas e as mergulhassem nas águas da fonte.
A menina disse-lhe que um pássaro mágico, “de cor azul”, a aprisionou na fonte, e que ela só seria libertada caso o primeiro viajante que a achasse encontrasse as penas mágicas e as mergulhassem nas águas da fonte.
- Precisa
encontrar o pássaro azul e a águia branca, disse. Só a união das suas penas pode restituir-me a liberdade.
E então a imagem
da garota desapareceu.
Atormentado pelo
seu sumiço, implorou que retornasse. Mas via apenas a água límpida e o fundo transparente
da fonte branca. Tomado de paixão e encanto, mesmo sem saber como, prometeu
ajuda-la. Prometeu que a salvaria e a
levaria consigo.
E então, tomado
de súbito cansaço, adormeceu aos pés da fonte.
Sonhara estar
nadando por um lago. O mesmo lago. Vestia a mesma calça azul e camisa branca.
Nadava pelo lago. Buscava sofregamente a margem, a qual parecia cada vez mais
distante.
Não desistiu.
Havia uma garota que, não lembrava onde nem como, prometera salvar.
Percebeu que
estava um pouco mais velho e mais forte.
Saiu do lago decidiu
a encontrar uma solução para a vaga sensação de perdição que lhe ia ao intimo.
Onde estava? Para onde ia? Porque a imagem daquela garota lhe invadia a mente?
Não sabia. Sabia que precisava seguir em frente.
E seguiu. Por
mais sete dias e sete noites.
Finalmente, viu
um clarão. Chegara ao outro lado da floresta!
Mal sabia o que
lhe aguardava.
Algumas dezenas
de metros da borda da floresta, havia um grande abismo. O horizonte se
descortinava escuro e infinito. O céu não tinha cor. O sol não vinha de lugar
algum. A luz era pálida e fraca. Uma desconfortável sensação de crepúsculo o seguia.
Caminhou.
Caminhou muito! Mas não sabia aonde ir nem o que fazer. Apenas o desconforto, o
medo e o pesar lhe invadindo o coração, sem explicação, sem destinação, sem
destino.
Mais uma vez
premido pelo cansaço, ajoelhou-se e implorou por ajuda. Não pedia a alguém. Pedia
a ninguém. Pedia ao mundo. Nunca tinha se preocupado em pedir ajuda à natureza.
Mas intuía que algo zelava pelo seu destino. Algo que lhe era acessado pelas
belas memórias guardadas nos tesouros do mundo criado na sua infância distante.
Ouviu um
grasnado rasgar o céu. E aliviado pela repentina visão, percebeu ao longe o grito
de um pássaro. Apertou os olhos. Era um pássaro azul.
Correu. Após um
tempo que não soube contar, virou a esquina do bosque e deu de frente com um enorme
carvalho.
O espetáculo era
paralisante devido à sua terrível beleza. Chegara à arvore primeira. A primeira
árvore da floresta, que dera origem direta e indireta a todas as outras.
Nos seus galhos,
chiavam e cantavam pássaros. Pássaros de todas as cores.
Não encontrara o
pássaro azul. Contudo, algo em si o
fez mirar o topo do carvalho. E lá ela estava. A mais bela guardiã da floresta.
A águia branca!
Tudo se passou
muito rápido. Entre examinar seus sentimentos e suspeitas, a lembrar de que,
por algum motivo, precisava se aproximar desta águia, um grande e negro gavião
rasgou os céus em alta velocidade.
Ia em direção à águia.
Ia caça-la. Ia mata-la.
O garoto,
travestido de coragem e desespero, lembrou-se da sua infância. Lembrou que
sabia, mas não como, construir um arco e usar as flechas. E assim o fez,
utilizando-se dos galhos de um arbusto próximo.
Não haveria
outra chance. Não poderia errar. Mirou, aprumou o arco e disparou o tiro.
Certeiro.
Interceptara o gavião a poucos metros da apavorada e então indefesa águia
branca. Sua queda foi seguida pelos olhares admirados das aves presentes.
E então houve um grande
alarido. Os pássaros de todos os galhos voavam e chiavam, claramente numa
grande festa! O garoto foi invadido de imensa paz. Ele a salvara. Em alguns instantes, a águia
branca alçou voo e desceu lentamente em sua direção.
Ofuscado por sua
luz, não percebeu que a águia ia mudando de tamanho e forma. Uma forma humana.
A forma de uma garota. Uma garota de olhos negros, cabelos castanhos, e pele
lisa. Em teus sonhos, jurava conhecê-la.
- Amor humano,
leve rapaz. Salvaste-me. Testaste-te. Agora tens o destino nas mãos.
E entregou ao
garoto um par de penas. Uma pena azul e uma branca, que retirara do seu próprio
flanco.
- Segue teu
coração, luta por tua vida. Um dia, serás quem quer, terás o que és.
...
Revestido de
energia e esperança, o garoto retornara à floresta, onde vagou por sete longos
anos e tornou-se um homem. Aprendera a caçar e a sobreviver na mata. Nos
momentos difíceis, sempre tinha a impressão de estar sendo vigiado. Sabia que,
nesses momentos, em suas vistas ou pensamentos, um pássaro azul voaria a cantar em sua proximidade.
...
Passaram-se os tempos. O garoto, agora um homem feito, jovem e vigoroso, vivia solitário.
Aprendera a ser paciente. A viver o mundo real. Obserava o devir do clima e das estações do ano. A floresta lhe parecia cada vez menos misteriosa. Tornara-se seu amigo e protetor.
Até que, em uma clara e
límpida manhã de inverno, encontrou um lago. Estava frio. O lago tinha águas rasas e
cristalinas, com uma fonte de mármore branco na ilha do meio. Lembrou-se
imediatamente (mas vagamente) do lugar. Lembrou-se da garota. Lembrou-se de tê-la encontrado em
tantos lugares, que havia perdido a conta. Nos sonhos? Nas memórias? Nas matas?
Não imaginava.
Correu e pulou
no lago. Um grande senso de obrigação e objetivo o direcionava. Nadava com
sofreguidão. Chegando à fonte, olhou o fundo. Nada. Nenhum objeto. Nenhuma
imagem. Nada.
Neste momento,
sentiu pesar o seu bolso. E de lá retirou objetos de que nem lembrava existir: uma pena
azul e uma pena branca, que lhe fora doada por uma bela águia que tinha salvo de
um furioso gavião negro.
E lembrou-se de
suas palavras. Agora, era senhor do seu destino! Chorou. Chorou de alegria.
E entre lágrimas de felicidade, mergulhou as penas nas águas brancas e frias. Ao toque lhe pareceu agradável e fresca. Bebeu. Banhou-se, e saiu. E novamente, adormeceu aos pés da fonte.
E entre lágrimas de felicidade, mergulhou as penas nas águas brancas e frias. Ao toque lhe pareceu agradável e fresca. Bebeu. Banhou-se, e saiu. E novamente, adormeceu aos pés da fonte.
...
Havia sete anos
que acordara aos pés daquela fonte. O garoto (já um homem maduro), decifrara
quase todos os obstáculos da floresta. Conhecia seus habitantes e tornara-se
seus amigos. Vivia em plena harmonia com as plantas e animais. Não havia notícias de nenhum pássaro negro
por aquelas paragens, nem nenhuma ameaça àquele reinado de paz.
Contudo, o garoto continuava a sentir-se muito só. Não sabia quem era, nem de onde tinha vindo. Não conhecia sua origem nem porque ali vivia. Não sabia porque era como era.
Mas sabia que queria amar. Compartilhar, construir. Queria um amor. Uma alma gêmea. E por isso, estava em paz.
Mas sabia que queria amar. Compartilhar, construir. Queria um amor. Uma alma gêmea. E por isso, estava em paz.
Ajoelhou-se.
Começara a chover. Começara a chorar. Desejava ardentemente, como nunca, estar na companhia de um
amor que jamais conhecera. Jamais mesmo? Não saberia.
Encharcado, embalado pelo balanço da chuva, sob seus pingos adormeceu. Um
sono pleno de conforto e descanso. Um sono de muitos anos. Sonhara com um pássaro azul. Belo, grande e majestoso. Sábio, virtuoso e pleno. Um pássaro grandioso e de
presença nunca vista.
O pássaro içou-o no ar, e parecia penetrar-lhe os pensamentos. Testaste-te.
Serás quem quer, terás o que és.
...
E assim foi.
E foi uma longa viagem,
de muitos dias e muitas noites, por largas montanhas e belas planícies, vista
por entre as brumas brancas das nuvens. O garoto sonhava, e voltava a ser o que
era. Um belo garoto, Alegre, feliz, brincalhão e inteligente. Era seu mundo.
E seu mundo
nunca mais seria o mesmo.
...
Acordou. Estava
no telhado de uma casa que há muito conhecia. Uma casa grande de quintais com árvores. Sua casa.
Lembrara que ali moraram seus pais, e também moravam seus filhos e netos. Aquele garoto, de cabelos ao vento, de calças azuis e camisas brancas, para sempre povoaria seus sonhos, seu coração e sua alma.
Lembrara que ali moraram seus pais, e também moravam seus filhos e netos. Aquele garoto, de cabelos ao vento, de calças azuis e camisas brancas, para sempre povoaria seus sonhos, seu coração e sua alma.
Passou a mão enrugada pelos cabelos brancos e pela barba espessa. O sol ia alto. Dormira demais! Precisava descer
para o almoço!
Trepando nos
galhos da antiga goiabeira, alcançou o solo. Queria abraçar a sua esposa, que o esperava. Sua
alma gêmea. Sua companheira de longos anos, de olhos negros, cabelos castanhos,
pele lisa.
Abraçaram-se.
Abraçaram-se.
E, juntos, foram
felizes para sempre!
Escrito por Thiago Campos de Oliveira em 17/03/2012