“Oh meu Deus!! Pagode é triste, deplorável! Que letras são
essas?? Mosquito não late, mosquito não morde, mosquito só, só pica! É a pior
música do mundo!”. Quem de nós já ouviu isso da boca de amigos ou mesmo já vociferou
tais palavras? Há a eterna briga entre roqueiros, pagodeiros, axezeiros,
emepebeiros e o escambal, cada um com seus pontos de vista a respeito de um dos
temas mais passionais do mundo: o gosto musical. Mas para falar desse contexto
aqui na Bahia, um local riquíssimo nessa arte tão magnífica, temos que voltar
alguns anos no tempo e entender um pouco mais da origem de suas
idiossincrasias...
Movimentos sociais expressivos envolvendo grupos negros
perpassam toda a História do Brasil. Contudo, até a Abolição da Escravatura em
1888, estes movimentos eram quase sempre clandestinos e de caráter radical,
posto que seu principal objetivo era a libertação dos negros cativos. Visto que
os escravos eram tratados como propriedade privada, fugas e insurreições, além
de causarem prejuízos econômicos, ameaçavam a ordem vigente e tornavam-se
objeto de violência e repressão não somente por parte da classe senhorial, mas
também do próprio Estado e seus agentes.
Falando de movimentos culturais, registram-se os primeiros
indícios das festividades quando os negros desembarcados na antiga capital e os
emigrados da Bahia se reuniam perto do porto carioca para cantar e dançar nas
horas de folga, ao som de instrumentos rústicos. Eram as primitivas rodas de
samba nas quais as baianas se destacavam, que de dia vendiam quitutes em
tabuleiros à noite mostravam toda sua cadência.
Estas rodas foram crescendo e os batuqueiros formados por
gente humilde subiram os morros. Apareceram então as primeiras denominações
carnavalescas: cordões, blocos e ranchos, corsos.
Contrastando sugiram as sociedades: formadas por branco de
classe média e aristocratas que se reuniam para discutir negócios, jogar cartas
e preparar o carnaval. Nos desfiles lançavam desafios umas as outras em versos
de poetas conhecidos, como Olavo Bilac e Emílio de Menezes. Faziam sátiras aos
governos e defendiam movimentos sociais, como a libertação dos escravos. A
riqueza do carnaval brasileiro deve muito as sociedades que faziam festas
coloridas, com mulheres arrumadas, fantasias luxuosas, carros alegóricos e
fogos de artifícios.
Abaixo segue um trecho do filme Amistad que retrata com
cruel realismo como eram feitos os transportes de escravos entre o continente
africano e a costa da América:
Historicamente, as práticas culturais (religião, música,
dança e outras formas) têm sido um dos poucos veículos de expressão
relativamente acessíveis aos negros (não apenas ativistas ou adeptos do
movimento negro) na sociedade brasileira. Na Bahia os blocos afros (como Ilê
Aiyê,Filhos de Gandhi, Muzenza, Araketu e Olodum ) foram frutos da organização
cultural de filhos e netos de escravos, que juntamente com a imersão religiosa
do candomblé, chegaram tocando ritmos africanos como o ijexá, brasileiros como
o maracatu, o samba e caribenhos como o merengue.
Feito o apanhado histórico podemos iniciar uma leitura mais antropologia
e sociológica da estrutura social baiana. Juntamente com a aristocracia portuguesa
veio a sua cultura artística, entretanto em um contexto como o relatado acima o
choque foi inevitável. No livro “Notas Dominicais tomadas durante uma
residência em Portugal e no Brasil nos anos de 1816, 1817 e 1818 (parte
relativa a Pernambuco)”, o cronista francês Tollenare assim descreve a música
na Bahia:
Ainda comenta:
“Não existem órgãos monumentais; de ordinário, um simples
piano serve para acompanhar os coros; mas, por ocasião da menor cerimônia, uma
magnífica orquestra executa peças agradaveis e sempre renovadas. (...) Os músicos,
isoladamente, são medíocres; mas, guardam bom compasso.
As mulheres não cantam; quando não ha castrados são os
homens que executam os falsetes, e saem-se melhor do que o lamentável canto
gregoriano soluçado nas nossas igrejas de província, na França.”
Ok! Ponto de reflexão: sociedade baiana com seus alicerces
fincados na mais pura segregação socio-economico-cultural, cultura africana
latente em todos os guetos; cultura europeia correndo a aristocracia baiana. Tem
algo semelhante com o que vemos hoje? Algo em comum entre os R$ 150,00 pelo ingresso da cadeira Z200 do show de Chico Buarque no TCA e as festas de camisa colorida?
Desde os primeiros criolos (os filhos de escravos africanos - criolos: criados na terra) nascidos nesta terra até o vendedor de amendoim que
pernoita em Dinha no Rio Vermelho, nenhum desses afro-descentes teve sequer a
menor possibilidade de acesso à educação, e por força do contexto, foram
compelidos a cultivar seus costumes de modo caótico e reativo. As complexidades
musicais lecionadas em reformatórios nas vielas de Viena ou nos palacetes de
Paris para as crianças nunca passaram perto das crianças brasileiras, que
debaixo do sol escaldante e rodeados de pobreza aprendem a batucar desde os
primeiros respiros.
Deixo esse texto em aberto, caro leitor, para que você mesmo
tire suas conclusões. Tenho minhas predileções musicais mas me abstenho de
pô-las aqui para que de maneira alguma eu possa enviesar seu crivo. Se o Brasil
é um resumo do mundo, a Bahia possui idiossincrasias que navegam entre o deplorável
e o magnífico.
Abaixo seguem dois vídeos: o primeiro é de um programa
independente de Web TV que tem como objetivo cobrir a cena musical de Salvador,
sem preconceito, traçando um retrato do que anda sendo feito pelas bandas de
cá.
O outro video é um produtor musical chamado Rodrigo Itaboray
que vem disponibilizando vídeos em seu canal no YouTube sobre produção musical,
mercado da música e diversos temas sobre esta seara. Nesse vídeo ele abre sua opinião a respeito do comportamento dos que agridem a música popularesca do Brasil na internet.
Para massagearmos nosso senso de humor segue uma charge
divertidíssima de Maurício Ricardo do site charges.com.br
Tema extremamente complexo que merece muita reflexão e análise detalhada. Concordo que o fator cultural pode explicar o desenvolvimento musical baiano. Mas, podemos dizer que é apenas isso? Não. Há outros elementos envolvidos nesse contexto. O fator econômico também é importante no desenvolvimento da musica de qualquer povo, nação, sociedade. Posso citar o exemplo da música também negra norte americana que ganhou contornos mais sofisticados e não apenas batuques. É duro escutar Nessun Dorma no calor de 30 graus, o estômago pedindo alimento, o cachorro do vizinho uivando e o vendedor de quebra-queixos passando pela rua... hehheheehehe. A música popular, chula, ruim, de gosto duvidoso sempre existiu e sempre existirá, seja na Bahia, no Nordeste, Sul, Sudeste, no Brasil ou no exterior. Há alguns anos que não ligo muito se determinada banda ou música é boa ou ruim, apenas escuto, faço minhas pesquisas e traço meu setlist, pois considero a música como um alimento da alma e não um estandarte que precisa ser defendido até a morte. Se ao escutar: “mosquito não late, mosquito não morde, mosquito só, só pica!” faz alguém ser mais feliz...Bravo!
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=KhSUeIg-API&feature=related
Muito bom!
ResponderExcluirAcho que no fim das contas, somos malabaristas tentando encontrar a resultante de diversos vetores (não quis colocar as aspas): musica de pobre x musica de rico; musica malfeita x musica bem construída; musica que "merece" x musica que "não merece"; musica de gueto x musica aristocrática; musica popular x musica clássica; banda pre fabricada x produção autentica; musica nacional x música estrangeira; musica que dá dinheiro e musica que não dá; musica criativa x mais do mesmo; musica profissional x musica amadora; músicos profissionais x músicos amadores; compositores x intérpretes; banda de frente x banda de apoio; qualidade x equipamento...
e por ai vai. Em outras vertentes desse eixo, há o "consumidor", aquele que compra os discos e as músicas e vai aos shows, e os fornecedores: os empresários, produtores e músicos. O dinheiro nunca será imprescindível para que haja música, mas ajuda bastante. Nesse ajudar, até chegar ao lucro, tudo está valendo. São aí que entram todas aquelas dicotomias.
Acho que ter isso em mente é um passo para que, aliado ao "nos fazer feliz" que George relatou, vivamos felizes nesse universo musica-arte-dinheiro-sociedade-historia.
foi mal se foi muita viagem heheheh
Exatamente, brotheres! Concordo com George que não é apenas e tão somente o fator colonização culmina na produção musical de uma localidade, mas dela podemos compreender profundamente a construção do indivúduo (que é fruto do meio - mas não em sua totalidade). E justamente por isso que deixei o texto em aberto, sem colocar minhas considerações no final, para que cada um construa seu senso crítico sobre essa situação. Na verdade desde a postagem ontem a noite até agora já pensei em mexer uma dezena de vezes nesse post, mas preferi mantê-lo como está, pelo carater abrangente e pouco conclusivo do mesmo.
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