Feliz dia dos pais!
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Eu era um garoto. Um garoto normal. Crescido ao lado de muitos livros, meus pais me estimulavam à leitura. Até tomei gosto pela coisa. Li o menino do dedo verde aos 8 anos. Série vaga-lume. Papillon. Marcelo Rubens Paiva. Machado de Assis. Cecilia Meirelles. A biblioteca da escola era um paraíso pra mim.
"Sempre imaginei que o paraíso seria uma espécie de biblioteca" (Jorge Luis Borges).
Frequentava as aulas das 7 da manhã às 12:30h. Ia à biblioteca aos intervalos. Intervalos de 30 minutos. Isso mesmo. 30 minutos era o tempo que tinhamos para brincar, socializar, paquerar, jogar bola e... ir à biblioteca. Cadê o "ócio" criativo?
Eu tinha uma infância normal. Era embalado por sessão da tarde, turma da mônica, contos de fadas, videogames e umas poucas revistas. Seriados japoneses? sem dúvida. Meu único contato com periódicos
(teoricamente, informações atualizáveis) eram a revista Ação Games do meu primo Mateus. A revista Veja do meu pai. A revista Amiga da minha mãe. E só. Em 1991, ganhei meu primeiro som "3 em 1", onde
ouvia os discos de vinil da minha mãe. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Lulu Santos, Legião Urbana,
Jaspion, Changeman e Jiraya. Sem dúvida, musica de qualidade.
Não havia internet. Havia só isso que descrevi. Só.
E ia vivendo. Era isso ai. Eu era um garoto "normal". Totalmente "normal". Ordinário. Mais um. Nem bom nem ruim. Apenas era. Como todos.
E havia a escola.
O que era a escola? Na época, para mim, uma obrigação. Estudava comunicação, matemática, ciências e estudos sociais no primário. Geografia, história, química e física. Inglês, português, literatura e gramatica daí em diante.
Até me esforçava para achar tudo isso interessante (e acabava conseguindo em alguns momentos). O problema era exatamente esse! Porque algo que deveria despertar interesse espontâneo exigia esforço? um esforço que tomava metade dos meus dias uteis?
Eu gostava de violão. Musica. Poesia. De entender o mundo. Como as pessoas pensavam e agiam. Gostava de rock. Gostava de conhecer e interagir com pessoas. Coisas e lugares.
Eu gostava da vida. mas a escola obrigava meus pais a pagarem caro para tomar metade do meu tempo com... geografia, quimica, polinomios, matrizes, história do México e bla-bla-bla.
Ok. Parte do curriculo é essencial. Mas não deveria ser "parte". Deveria ser tudo" Tudo!
Porque eu, portanto, um garoto que gostava de ler, estudar, socializar, tinha senso de responsabilidade, cresci com pais cultos e educados, achava a escola um saco?
Sempre suspeitei que juntar cinquenta alunos numa turma e cuspir conhecimento engessado de forma expositiva era algo, no mínimo, contraproducente.
Mutos colegas que hoje são profissionais de sucesso, mentes brilhantes, tiravam notas medianas na escola.
E tudo isso a um custo financeiro altíssimo aos pais e ao país. Dos meus 2 anos até meus 24 anos meu pai pagou mensalidades. Imagine isso investido numa aplicação, numa poupança, em imóveis, em o que quer que seja??
A escola não respeita a individualidade de ninguém.
Hoje, aos 31 anos, adivinha o que faço? adivinha... Adoro escrever, fazer musica, poesia, cronica e ensaios. Sou professor, dou aulas. Amo estudar o comportamento humano. Gosto de conhecer e interagir com pessoas, coisas e lugares. Passei dez anos estudando para ser psiquiatra (isso sim, era fascinante).
Na escola, eu sempre tirei notas medíocres em redação e educação artística. Minha mãe não se conformava! Mesmo sabendo que eu era mais um, ela sabia dos meus pendores, limitações e inclinações. Mas ela também sabia que, perante ao sistema, eu era apenas mais um.
Infelizmente, fazer parte do sistema era (e é) necessário. Sem isso, não haveria vestibular, nem faculdade, nem formatura, nem profissão, nem susbsistência.
Preocupado com isso, e tendo em vista suas dificuldades pretéritas, meu pai me obrigava a tirar notas acima de 8.
Mas, no fim das contas, eu era mais um. E até tirava boas notas. Mas achava a escola (não as pessoas da escola, veja bem) um saco. Bullying direto e indireto. Bullying da vida.
Na minha prática como psiquiatra, canso de ver crianças inteligentes, sensíveis, educadas, com alto senso de cooperação e responsabilidade, levadas a tratamento porque não se adaptam à escola ou não conseguem tirar boas notas. Elas acham a escola um saco. Eu também achava. De quem é a culpa?
De quem é a culpa?
A culpa não foi minha.
A culpa não é delas.
A culpa não é de ninguém.
A responsabilidade é de todos nós.
Cuidado com o que seu filho faz e pensa. Ele precisa de você. O sistema não colaborará com ele. Nem com você.
Feliz dia dos pais!