
“Lobão é um cara polêmico”, “É um louco”, “Lobão adora falar mal de todo mundo”, “Lobão é arrogante”. Essas são apenas umas das poucas “verdades universais” que o senso comum possui de opinião sobre Lobão. Quem geralmente fala uma dessas frases decerto desconhece o trabalho maravilhoso e rico de João Luís Woerdenbag Filho e teve sua opinião formada superficialmente por mídias que viveram um embate intenso com ele. O livro “50 anos a mil” é uma autobiografia, e como tal, me deixou um tanto quanto receoso nas primeiras páginas que li. Não por ser sobre Lobão, mas porque geralmente autobiografias são perfumadinhas e sem defeitos. Ao passo que fui adentrando nesse universo niilista e explosivo da história de Lobão fui me desarmando, pois percebi que a hipocrisia passa longe das verdades que eram narradas sobre sua ótica canina. Além de sua infância superprotegida de sua mãe e sua adolescência “rock’n’roll meio non-sense”, pude conhecer um cara de uma sensibilidade aterradora, capaz de tecer comentários sublimes sobre fatos cotidianos impressionantes. Tive uma empatia imediata pela alma de um artista tão intenso. Paralelo à leitura deste livro fui ouvindo disco a disco, um por um, mergulhando música a música, para enfim perceber a grandiosidade de sua obra.
Além as músicas de “lado A” que muitos de nós cantarolamos a todo instante (como Me Chama, Corações Psicodélicos, Canos Silenciosos, Vida Louca Vida, Essa noite não, etc.), foram as músicas escondidas, as de lado B que realmente me pegaram pela alma. Em especial o disco “A vida é doce” é um disco simplesmente maravilhoso e que possuiu um orçamento baixíssimo. Me custa acreditar que uma obra de arte tão intensa tenha sido composta ao lado de um enfermeiro. Além da música homônima (que pra mim é a mais linda que ele já criou na vida) a belíssima “Uma delicada forma de calor” cantada com Zeca Baleiro é uma daquelas músicas de te tocar no seu âmago mais doce, uma música que te faz sentir um abraço numa noite fria. Impressionante.
Os cinco anos sem compor foi um divisor de águas impressionante na carreira de Lobão. É muito delicioso curtir a evolução de roqueiro agressivo e inteligentíssimo para um roqueiro poeta e sublime. Vale a pena ouvir toda a discografia de Lobão, se apaixonar por umas músicas, detestar tantas outras, se incomodar, se deixar levar, sentir a atmosfera que cada compilação traz em sua essência.
Como ponto negativo deixo registrado a minha grande discordância sobre a opinião dele sobre drogas. Ainda acho que elas não trazem absolutamente nada de positivo para ninguém (sou careta com orgulho nesse aspecto). “A vida é doce, depressa demais...”

Outra autobiografia que li e mudou muito minha maneira de enxergar o business da música foi “Música, Ídolos e Poder – do vinil ao download” de André Midani. Ele foi o homem todo poderoso da indústria fonográfica brasileira, um “gringo” que capitaneou a música brasileira por mais de 40 anos possibilitando e conduzindo o surgimento e a gravação da Bossa Nova, da Tropicália, da nata da MPB e do rock nacional. Uma pessoa com uma visão ímpar da música enquanto arte, característica que mostra-se ausente em praticamente todos os empresários do mundo da música atual. Sua trajetória confunde-se com a trajetória da época áurea do disco e da música popular brasileira – incluindo aí o rock nacional –, mas é, principalmente, um retrato de uma época onde as grandes realizações e criações eram movidas pela paixão, pela música do acaso, pela crença de que a indústria da música era “a indústria da felicidade humana” (sim! Foi exatamente daí que nós tiramos o nome do segundo disco da Elipê). Onde líderes e executivos criativos eram incentivados e aos poucos foram perdendo poder para os tecnocratas que se apossaram de quase tudo por serem pretensamente mais capazes de lidar com a parte suja do entretenimento: o lucro.
Nesse ponto ele conta como foi o início do jabá, lá na década de 70 quando o Pink Floyd lançou o disco “The Wall”. O grupo resolveu que não ia pagar jabá. De repente o disco estava em todas as vitrines dos Estados Unidos e não tocou nenhuma vez no rádio. Então eles aceitaram fazer o pagamento e os donos de emissoras de rádio perceberam o poder que tinha nas mãos. Foi o início da derrocada...
Outro ponto alto do livro é a sua explicação sobre artistas que alcançam o sucesso no primeiro disco. Segundo Midani a maioria dos artistas que viam seu primeiro hit se realizar precocemente deixava que o dinheiro e a fama subissem para a cabeça e isso os tirava totalmente o vigor criativo. O ideal segundo sua ótica era: o primeiro disco deveria apresentar o artista ao público e ser pouco trabalhado. Esse quase sempre dava prejuízo à gravadora. O segundo disco praticamente se pagava ou dava um pequeno prejuízo, mas já servia para o artista começar a se entender enquanto compositor, cantor, músico, enfim. Apenas no terceiro disco o sucesso vinha com força: aí além de o artista estar seguro de sua veia criativa e com maturidade para encarar o sucesso, o disco traria lucros que pagavam os dois anteriores. E ele deixa bem claro sua mágoa em ver a derrocada das gravadoras, que buscam incessantemente o “sucesso do verão” para sugar enquanto der e depois partir para a próxima. Vocês já perceberam a quantidade de bandas da década de 80 que realmente estouraram no terceiro disco? Titãs (Cabeça Dinossauro), Paralamas (Selvagem), Legião (Que país é este), queria até inserir Lobão nessa lista mas ele já tinha estourado “Me Chama” no segundo disco “Ronaldo foi pra guerra”. Se você procura respostas como “O sucesso estraga o artista?” (como questionou meu querido Puro Espírito no post sobre Alanis Morissette) eu indicaria esse livro interessantíssimo do querido André Midani para você formar suas opiniões.